sábado, 31 de maio de 2014

AVENTURAS DE UM EX-CABO DE VASSOURA
(Orígenes Lessa, Napoleão em Parada de Lucas)
  1. Já fui cabo de vassoura. Sou cavalo de pau. Estive quase a ser lenha. Ou lixo, que ainda é mais triste. Sem falar no meu passado mais antigo, de quando fui árvore. Vida incerta é a da madeira, explorada e escravizada pelo bicho homem. Onde estivermos nós, subindo em árvores, com troco, folha e ramos vários, lá chega o homem. E quando o homem chega, quase sempre “dá galho”… Feliz é a planta ou árvore carregada de frutos e flores. Em geral poupada, embora roubada nas flores e frutos… Mas nos outros casos, machado e fogo nos perseguem… E nada podemos fazer. O bicho homem, que se intitula, vaidoso, de “homo sapiens”, palavra de uma língua esquecida, cuja tradução é “cara sabido”, é orgulhoso, convencido e, muitas vezes, cruel. Mas tem, realmente uma força contra a qual nada podemos. Até hoje não entendi bem esse estranho poder desse bicho terrível.
  2. Dizem os meus irmãos mais velhos da floresta – ou diziam, nos meus tempos de mato – que nada é possível contra o homem. Não adianta lutar.

3.     A natureza – os inanimados, como nos chamam eles – tem feito miséria para acabar com tal raça. Inventou doenças terríveis, que às vezes se transformam em espantosas epidemias. Houve, por exemplo, uma tal gripe espanhola – isso eu ouvi na casa em que fui cabo de vassoura e depois cavalo de pau – que matou em poucos meses mais gente, uns vinte milhões, que toda uma guerra que durou quatro anos, e que foi de uma estupidez desumana, como todas as guerras. As águas, por vezes, se levantam e cobrem cidades e matam milhares. Os vulcões se abrem e vomitam chamas e lavas, liquidando outros tantos. Houve duas cidades na antiguidade – Herculano e Pompeia, aliás, de gente muito pouco bacana – que foram em minutos sepultadas por um tal de Vesúvio, um ilustre vulcão perto de Nápoles, na Itália. Outras vezes a própria Terra, nossa mãe comum, se enche de raiva. Treme de raiva. Chamam a isso de tremor de terra ou terremoto. E mais gente morre, aos milhares, ou de casa caindo por cima, ou simplesmente de medo.

4.      Tudo isso eu sei de conversas que ouvia na casa do maior amigo que tive entre os seres humanos, rara flor da espécie, meu senhor Mariozinho, o maior cavaleiro do mundo. Era uma família de doutor que sabia as coisas, e eu, às vezes largado no chão, ia ouvindo a aprendendo.

5.      Mas, por mais que nós outros, os inanimados, tenhamos feito para acabar com esse povo – epidemias, inundações, terremotos, vulcões deitando fogo – e às vezes deixando simplesmente de chover, ressequindo a terra, com sacrifício das próprias árvores, que secam e morrem, para matar o homem de fome – o tal “homo sapiens” é mesmo sabido. Morre, morre, morre, mas a espécie continua e se multiplica. E progride sempre. E constrói casas e cidades e fábricas e máquinas corredoras, voadoras, nadadoras, mergulhadoras e, o que é pior, destruidoras.

6.     Eles tem um segredo que é a sua força: inventa. Ou pensa, que é uma coisa que acontece antes do invento. Nós, simplesmente, sentimos. Nunca se viu uma árvore, por mais forte, mais majestosa, mais bonita que fosse (toda a árvore é bela, eu vi uma vez Mariozinho dizer), construir uma casa, fabricar um automóvel, dar um jeito de viajar no espaço.

7.     Que é que podem fazer mil árvores, que lhe negam seus frutos, numa seca feroz, quando o tal negócio de homem e mulher se juntando – e todos eles pensando e inventando – continua a multiplicar indefinidamente a sua raça? Que podemos nós nessa luta quando nem as guerras – essa é a mais triste invenção dos humanos – quando nem as guerras acabam com eles?
8.     Escravos somos desse bicho que inventa. E corta e derruba e serra e torneia e mete prego sem piedade.
9.     Felizmente, entre eles, há uma coisa chamada criança.
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Após a leitura do texto, responda às questões abaixo.
1. Quem é a personagem que fala no texto:
a.(   ) uma acha de lenha           b.(   ) uma árvore da floresta        c.(   ) um cavalo de pau        d.(   ) um cabo de vassoura
2. A personagem que narra esta história já tinha exercido 4 funções diferentes, antes da atual. Liste-as:
1 – _____________________
2 – _____________________
3 – _____________________
4 – _____________________
3. Os sentimentos da personagem, que predominam no texto em relação ao homem, são:
a.(   ) amargura e felicidade           b.(   ) revolta e apatia        c.(   ) resignação e amargura         d.(   ) alegria e revolta
4. Por que o cavalo de pau chama o Monte Vesúvio de “ilustre vulcão” (parág. 3)?
a.(   ) Porque esse vulcão celebrizou-se ao destruir as cidades de Herculano e Pompéia.
b.(   ) Porque matou gente muito pouco bacana.
c.(   ) Porque o via como um aliado na guerra contra o homem.
5. O segredo da força humana, na opinião do cavalo de pau reside fundamentalmente:
a.(   ) na coragem e no espírito de luta
b.(   ) no espírito de luta e de destruição
c.(   ) Na capacidade de inventar e de se multiplicar.
6. A palavra incerta no texto (parág. 1), significa:
a.(   ) discutível, duvidosa    b.(   ) insegura      c.(   ) hesitante, indecisa
7. A palavra epidemia, no texto (parág. 3), significa:
a.(   ) qualquer moléstia contagiosa
b.(   ) moléstia contagiosa que se espalha rapidamente na população
c.(   ) moléstia que aparece na pele das pessoas
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GABARITO
1. C     
2. Árvore, quase lenha, quase lixo, cabo de vassoura.
3. c
4. c
5. c
6. b
7. b

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