(Orígenes Lessa, Napoleão em Parada de Lucas)
- Já fui cabo de vassoura. Sou cavalo de pau. Estive quase a ser lenha. Ou lixo, que ainda é mais triste. Sem falar no meu passado mais antigo, de quando fui árvore. Vida incerta é a da madeira, explorada e escravizada pelo bicho homem. Onde estivermos nós, subindo em árvores, com troco, folha e ramos vários, lá chega o homem. E quando o homem chega, quase sempre “dá galho”… Feliz é a planta ou árvore carregada de frutos e flores. Em geral poupada, embora roubada nas flores e frutos… Mas nos outros casos, machado e fogo nos perseguem… E nada podemos fazer. O bicho homem, que se intitula, vaidoso, de “homo sapiens”, palavra de uma língua esquecida, cuja tradução é “cara sabido”, é orgulhoso, convencido e, muitas vezes, cruel. Mas tem, realmente uma força contra a qual nada podemos. Até hoje não entendi bem esse estranho poder desse bicho terrível.
- Dizem os meus irmãos mais velhos da floresta – ou diziam, nos meus tempos de mato – que nada é possível contra o homem. Não adianta lutar.
3. A natureza – os inanimados, como
nos chamam eles – tem feito miséria para acabar com tal raça. Inventou
doenças terríveis, que às vezes se transformam em espantosas epidemias.
Houve, por exemplo, uma tal gripe espanhola – isso eu ouvi na casa em
que fui cabo de vassoura e depois cavalo de pau – que matou em poucos
meses mais gente, uns vinte milhões, que toda uma guerra que durou
quatro anos, e que foi de uma estupidez desumana, como todas as guerras.
As águas, por vezes, se levantam e cobrem cidades e matam milhares. Os
vulcões se abrem e vomitam chamas e lavas, liquidando outros tantos.
Houve duas cidades na antiguidade – Herculano e Pompeia, aliás, de gente
muito pouco bacana – que foram em minutos sepultadas por um tal de
Vesúvio, um ilustre vulcão
perto de Nápoles, na Itália. Outras vezes a própria Terra, nossa mãe
comum, se enche de raiva. Treme de raiva. Chamam a isso de tremor de
terra ou terremoto. E mais gente morre, aos milhares, ou de casa caindo
por cima, ou simplesmente de medo.
4. Tudo isso eu sei de conversas
que ouvia na casa do maior amigo que tive entre os seres humanos, rara
flor da espécie, meu senhor Mariozinho, o maior cavaleiro do mundo. Era
uma família de doutor que sabia as coisas, e eu, às vezes largado no
chão, ia ouvindo a aprendendo.
5. Mas, por mais que nós outros, os
inanimados, tenhamos feito para acabar com esse povo – epidemias,
inundações, terremotos, vulcões deitando fogo – e às vezes deixando
simplesmente de chover, ressequindo a terra, com sacrifício das próprias
árvores, que secam e morrem, para matar o homem de fome – o tal “homo
sapiens” é mesmo sabido. Morre, morre, morre, mas a espécie continua e
se multiplica. E progride sempre. E constrói casas e cidades e fábricas e
máquinas corredoras, voadoras, nadadoras, mergulhadoras e, o que é
pior, destruidoras.
6. Eles tem um segredo que é a sua
força: inventa. Ou pensa, que é uma coisa que acontece antes do invento.
Nós, simplesmente, sentimos. Nunca se viu uma árvore, por mais forte,
mais majestosa, mais bonita que fosse (toda a árvore é bela, eu vi uma
vez Mariozinho dizer), construir uma casa, fabricar um automóvel, dar um
jeito de viajar no espaço.
7. Que é que podem fazer mil
árvores, que lhe negam seus frutos, numa seca feroz, quando o tal
negócio de homem e mulher se juntando – e todos eles pensando e
inventando – continua a multiplicar indefinidamente a sua raça? Que
podemos nós nessa luta quando nem as guerras – essa é a mais triste
invenção dos humanos – quando nem as guerras acabam com eles?
8. Escravos somos desse bicho que inventa. E corta e derruba e serra e torneia e mete prego sem piedade.9. Felizmente, entre eles, há uma coisa chamada criança.
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Após a leitura do texto, responda às questões abaixo.
1. Quem é a personagem que fala no texto:
a.( ) uma acha de lenha b.( ) uma árvore da floresta c.( ) um cavalo de pau d.( ) um cabo de vassoura
2. A personagem que narra esta história já tinha exercido 4 funções diferentes, antes da atual. Liste-as:
1 – _____________________
2 – _____________________
3 – _____________________
4 – _____________________
3. Os sentimentos da personagem, que predominam no texto em relação ao homem, são:
a.( ) amargura e felicidade b.( ) revolta e apatia c.( ) resignação e amargura d.( ) alegria e revolta
4. Por que o cavalo de pau chama o Monte Vesúvio de “ilustre vulcão” (parág. 3)?
a.( ) Porque esse vulcão celebrizou-se ao destruir as cidades de Herculano e Pompéia.
b.( ) Porque matou gente muito pouco bacana.
c.( ) Porque o via como um aliado na guerra contra o homem.
5. O segredo da força humana, na opinião do cavalo de pau reside fundamentalmente:
a.( ) na coragem e no espírito de luta
b.( ) no espírito de luta e de destruição
c.( ) Na capacidade de inventar e de se multiplicar.
6. A palavra incerta no texto (parág. 1), significa:
a.( ) discutível, duvidosa b.( ) insegura c.( ) hesitante, indecisa
7. A palavra epidemia, no texto (parág. 3), significa:
a.( ) qualquer moléstia contagiosa
b.( ) moléstia contagiosa que se espalha rapidamente na população
c.( ) moléstia que aparece na pele das pessoas
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GABARITO1. C
2. Árvore, quase lenha, quase lixo, cabo de vassoura.
3. c
4. c
5. c
6. b
7. b
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